Português, brasileiro ou africano?
Acabo de recolocar na estante Caim, do português Saramago.
Sua leitura não teria o mesmo sabor se o texto estivesse em brasileiro. O mais
recente livro do escritor angolano Pepetela foi editado em Portugal, lançado em
Angola e está a ser traduzido antes de ser disponibilizado nas livrarias
brasileiras. Uma pena.
Em meu trabalho, por vezes escrevo em português do Brasil,
por vezes de Portugal, de Angola ou
Moçambique. Há expressões tão locais que não é fácil compreendê-las sem ter ao
lado quem as explique.
O angolano tem um falar mais próximo ao de Portugal. Como os
portugueses, chama embondeiro à árvore que conhecemos por baobá (denominação
que franceses e ingleses adotam e que aparece no livro Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry).
Em Moçambique, ai de quem usar uma dessas palavras quando encontrar um espécime
de tal planta pela frente. Ouvirá um indignado "Este é um malambe!” E, se
pá, até um complemento do tipo: "Estás a falar como um colonizado!".
Um amigo costuma dizer: "A fala do brasileiro é tão
característica e diferente da de outros países de língua portuguesa porque
somos africanos, pouco influenciados pelos portugueses". Claro está que a
angolanos e moçambicanos não agrada este comentário.
Estou a misturar no mesmo tacho expressões e maneirismos deste tão rico idioma, como os mais
atentos já devem ter percebido (em Portugal, Angola ou Moçambique esta palavra poderia
ser entendida como ouvido ou escutado, portanto talvez fosse melhor substituí-la por
compreendido).
Seria mesmo bom, como sugere o blogueiro que redigiu Acordo
Desortográfico, se cada qual pudesse optar pelo português que deseja falar ou
escrever. Há, no entanto, um problema que requer solução - e para o qual talvez
esse Acordo possa dar seu contributo (contribuir, em brasileiro).
Ocorre que é elevadíssima a taxa de analfabetismo nos países
de África que foram colonizados por portugueses e tiveram sua independência há
trinta anos e pico (pouco mais de trinta anos, em brasileiro). Nas escolas,
miúdos (crianças) são alfabetizadas com livros doados por portugueses,
brasileiros e até cubanos - cada qual com sua maneira de escrever, sua visão de
mundo e tal. Os estudantes limitam-se, portanto, a apreciar as figuras. Muitos
deixam as escolas e seguem utilizando seus idiomas tradicionais - o que
dificulta o bom entendimento, uma vez que há mais de 100 desses idiomas somente
em Angola e Moçambique.
Gosto de escrever aldrabice (trapaça), jindungo (amendoim),
katana (facão). Até o inclusivamente dos angolanos, tão mais abrangente do que
o inclusive do Brasil. De dizer yá quando quero dizer sim. De ouvir um amigo
chamar-me mãe quando desembarco em Luanda. Seria bom se o Acordo fosse apenas
ortográfico. Retirasse o c de facto, o p de óptico e o acento agudo de ideia, por exemplo, sem
arriscar o que há de próprio em cada região.
No Brasil, onde vivem 190 milhões de falantes da língua
portuguesa, para saudar um amigo ou para terminar uma frase, o gaúcho, nativo
do estado do Rio Grande do Sul, usa a expressão çhe. O baiano, nascido na Bahia,
diz rapá, assim, desse jeitinho, sem o z final - esteja falando com um rapaz ou
com uma senhora. E o paulista da cidade de são Paulo, pobre, vítima de
brincadeiras de seus conterrâneos, deixa escapar um meu a cada duas ou três
palavras. Falou meu, fudeu. Nunca mais a criatura será abraçada por esse país
chamado Brasil.
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