Ah, eu lembro quando essa casa era repleta de gente. Quando as pessoas falavam e riam sem parar, todas ao mesmo tempo. Quando sentavam-se à mesa, mais do que para comer, para comungar, para compartilhar histórias, experiências.
Naquele tempo eu nunca me sentia vazia. Sempre havia quem se acomodasse sobre as minhas pernas, entre os meus braços. Assim nos aquecíamos mutuamente.
Hoje ouvi alguém dizer que uma das descobertas de Einstein é de que vivemos no tempo-espaço e não no tempo e no espaço. Não entendi exatamente o sentido disso na minha vida. Continuo firme, forte, aconchegante, à cabeceira da mesa. Mas o tempo passou, as crianças cresceram, os adultos envelheceram e os velhos morreram. Todos, de alguma forma, se foram.
Há muito eu não abraço alguém - criança, adulto, idoso. Há muito não sirvo uma refeição nesta mesa. O espaço parece não ter mudado, mas o tempo... este mudou tudo. A rua em frente à janela que vejo aqui do meu posto era tranquila. Hoje é tumultuada. A lâmpada, antes amarela, suave, hoje emite luz branca, invasiva. No passado havia toalhas de tecido a cobrir a mesa de madeira. Já não há. Nem a mesa de madeira nem a toalha de tecido.
Naquele tempo, quem mais gostava de sentar-se à cabeceira da mesa, entre meus braços, era a menina Luzia. Esperta. Ativa. Cheia de autoridade. Hoje Luzia come em pé na cozinha. Eu a espreito daqui. Continua ativa e cheia de autoridade. Não tem quem a acompanhe. Nem para compartilhar uma refeição. Solitária, come como quem cumpre uma tarefa inarredável.
Era assim que eu estava, a espiar Luzia na cozinha, quando ouvi o troar do primeiro trovão. Depois, do segundo, do terceiro, e o céu desabou em milhares de milhões de lágrimas sobre a terra.
Fazia muito tempo que não chovia. O barulho da água batendo nas janelas era assustador. Aquela não era uma chuva qualquer - era uma tempestade com ventania, granizo, tudo o que tem direito.
Senti quando a primeira gota caiu em meu acento. Senti quando meus pés foram lambidos pela água. Vi Luzia correr para a porta sem saber como impedir o desastre. Ativa e esperta mesmo na velhice, ela decidiu que seria melhor não lutar contra força tão imponente. A água lavou a casa. Eu me vi boiando como tantos outros objetos.
Quando tudo passou, fui posta ao sol, no quintal, para secar. Havia muita gente falando e se movimentando, ajudando Luzia a recompor sua casa. Então alguém se acomodou sobre minhas pernas, entre meus braços. Alguém trouxe o que comer. E no quintal, sem toalha, sem talheres, sem cerimônia, eu me senti novamente nos tempos de antigamente - num espaço diferente.
Naquele tempo eu nunca me sentia vazia. Sempre havia quem se acomodasse sobre as minhas pernas, entre os meus braços. Assim nos aquecíamos mutuamente.
Hoje ouvi alguém dizer que uma das descobertas de Einstein é de que vivemos no tempo-espaço e não no tempo e no espaço. Não entendi exatamente o sentido disso na minha vida. Continuo firme, forte, aconchegante, à cabeceira da mesa. Mas o tempo passou, as crianças cresceram, os adultos envelheceram e os velhos morreram. Todos, de alguma forma, se foram.
Há muito eu não abraço alguém - criança, adulto, idoso. Há muito não sirvo uma refeição nesta mesa. O espaço parece não ter mudado, mas o tempo... este mudou tudo. A rua em frente à janela que vejo aqui do meu posto era tranquila. Hoje é tumultuada. A lâmpada, antes amarela, suave, hoje emite luz branca, invasiva. No passado havia toalhas de tecido a cobrir a mesa de madeira. Já não há. Nem a mesa de madeira nem a toalha de tecido.
Naquele tempo, quem mais gostava de sentar-se à cabeceira da mesa, entre meus braços, era a menina Luzia. Esperta. Ativa. Cheia de autoridade. Hoje Luzia come em pé na cozinha. Eu a espreito daqui. Continua ativa e cheia de autoridade. Não tem quem a acompanhe. Nem para compartilhar uma refeição. Solitária, come como quem cumpre uma tarefa inarredável.
Era assim que eu estava, a espiar Luzia na cozinha, quando ouvi o troar do primeiro trovão. Depois, do segundo, do terceiro, e o céu desabou em milhares de milhões de lágrimas sobre a terra.
Fazia muito tempo que não chovia. O barulho da água batendo nas janelas era assustador. Aquela não era uma chuva qualquer - era uma tempestade com ventania, granizo, tudo o que tem direito.
Senti quando a primeira gota caiu em meu acento. Senti quando meus pés foram lambidos pela água. Vi Luzia correr para a porta sem saber como impedir o desastre. Ativa e esperta mesmo na velhice, ela decidiu que seria melhor não lutar contra força tão imponente. A água lavou a casa. Eu me vi boiando como tantos outros objetos.
Quando tudo passou, fui posta ao sol, no quintal, para secar. Havia muita gente falando e se movimentando, ajudando Luzia a recompor sua casa. Então alguém se acomodou sobre minhas pernas, entre meus braços. Alguém trouxe o que comer. E no quintal, sem toalha, sem talheres, sem cerimônia, eu me senti novamente nos tempos de antigamente - num espaço diferente.
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