Compaixão. Tema de coloração religiosa às vésperas do dia de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil. Milhões de pessoas aflitas, flagelando-se, em prantos.
Seria demais querer entender tamanha esperança de resolver problemas da vida com uma parada na Basílica de Nossa Senhora Aparecida, construção que mais parece um shopping center, com passarela monumental (inclusive no que diz respeito ao mau gosto) e centro de apoio ao romeiro.
Mas a compaixão sempre me interessou – especialmente a falta dela. E me ponho a fazer uma pesquisa rápida em escritos de pensadores acerca do assunto.
Para Jean-Jacques Rousseau, que formulou a teoria do bom selvagem, compaixão é sentimento natural que independe de educação – e que é responsável pela sobrevivência do gênero humano, muito mais do que a razão. Mas há idéias mais céticas.
Friedrich Nietzsche e Antoine de Saint-Exupéry falam do lado perverso da compaixão – daqueles que experimentam prazer em serem cuidados e exploram o outro; e da ambiguidade desta emoção que provoca sofrimento e satisfação.
Passeando pela internet descubro um estudo de uma equipe do Departamento de Arqueologia da Universidade de York, na Inglaterra.
Os pesquisadores utilizaram equipamentos de neuro-imagem para examinar evidências arqueológicas do desenvolvimento de emoções e da compaixão em humanos primitivos, de seis milhões de anos atrás até os Neandertais e os homens modernos.
Partiram do momento em que o ancestral comum de humanos e chimpanzés experimentou a motivação para a ajuda mútua. Depois, constataram que o Homo Erectus dedicava tratamento especial a mortos queridos – o que sugere sentimento de luto.
Entre 500 mil e 40 mil anos atrás, os Homo Heidelbergensis e os Neandertais caçavam juntos, organizaram estruturas de atendimento de rotina a feridos e doentes – e há, inclusive, evidências de que ao invés de abandonarem pessoas com problemas congênitos, cuidavam delas por décadas.
Há 120 mil anos os seres humanos modernos demonstram compaixão por estranhos, animais, objetos e até conceitos abstratos.
"Compaixão é talvez a emoção mais fundamental do ser humano e o registro arqueológico tem muito a contar sobre sua pré-história", diz Penny Spikins, que liderou a pesquisa. Não falou na falta dela. Em seres humanos sem compaixão.
O artigo sobre os sentimentos intangíveis dos seres humanos está na revista Time and Mind: chama-se Compassion from the earliest archaic to modern humans. Os pesquisadores também lançaram o livro The Prehistory of Compassion, disponível para compra online.
A foto do modelo de um homem Neandertal foi feita por Javier Trueba e é da Science Photo Library.
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