sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Pra ficar esperto


Há alguns anos jargões de cientistas viraram lugar comum em conversas de botequim, de salão de cabeleireiro, de pátio de escola – efeito estufa, mudanças climáticas, emissões de carbono, tecnologias limpas... 

Não sem razão. É só sair de férias para aquela praia de sempre e perceber a alta exagerada da maré, a redução da faixa de areia. Ou ter de vestir casaco e cachecol em plena primavera. Impossível ignorar as transformações que ocorrem por todo lado.

O pavor com o fim do mundo já esteve mais falado, mas não desapareceu. Tem muita gente reciclando lixo, usando aquecedores solares, tomando pequenas medidas de economia e limpeza. O problema, no entanto, é maior do que as providências que têm sido adotadas. 

Sair à rua numa grande cidade é sempre um choque. E o que dizer da indescritível experiência de fazer uma viagem de avião – com a inevitável passagem pelo aeroporto? Gente demais, correria demais. Tudo o que é demais é demais. Para a nossa própria paciência e, ao que tudo indica, também para a tolerância da natureza.

Então cientistas resolveram fazer alguns ensaios, misturar num mesmo tacho ingredientes como crescimento e envelhecimento da população, ritmo de urbanização, índices de produtividade e aceleração econômica. No artigo Global demographic trends and future carbon emissions, que acabam de publicar na revista Proceedings of National Academy of Sciences, dizem que não pretendem que suas descobertas levem à tomada de medidas, mas que sirvam para preparar as pessoas para o que virá. Todos devem ficar espertos.

Argh! Péssimo sinal. Em todo o caso, eles trazem boas e más notícias. 

Primeiro as más. Se o ritmo de crescimento atual continuar, haverá mais de 3 bilhões de pessoas no mundo em meados do século. A maior parte delas em centros urbanos. E somente isso provocará aumento de 25% nas emissões de dióxido de carbono.

O envelhecimento da população, ao contrário, é uma notícia positiva, pois os mais velhos consomem menos, exercem menor pressão sobre a produção e, portanto, sobre o crescimento econômico. O envelhecimento pode reduzir níveis de emissões em até 20%.

Pensando sobre as percentagens. 
Quase que elas por elas, poderíamos ter cidades de velhinhos e jovens curtindo a experiência bucólica da vida em ambiente rural sem a tecnologia posterior à revolução industrial... Tudo em nome da nossa própria segurança, claro!

A foto, feita por satélite pela Nasa, mostra a iluminação noturna no mundo – que cresce sem parar.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Fim de ano

Não tem jeito
Você pode não querer viajar
Pode recusar-se a presentear quem quer que seja
Mas supermercado vai ter de fazer
E mais cedo ou mais tarde terá de ir ao banco
Recomendo que saia em dia de chuva
No meio da tarde
Quando a multidão se esconde
Que planeje seus passos cuidadosamente
E sempre esteja pronta para imprevistos
Porque é primavera
E como os insetos, as gentes enlouquecem
Se multiplicam
Te invadem
E então, haja equilíbrio para manter o pescoço ereto
O olhar brilhante
A vontade firme
Se bobear, você sai de cena em prantos
Por baixo da porta

Desintegração

- Já pensou se no Brasil se falasse castelhano? Que maravilha seria?

A pergunta foi feita por um equatoriano. Peruanos, chilenos, bolivianos, argentinos e colombianos presentes concordaram. Todos trabalhavam, conviviam, se divertiam num mesmo cantão da vasta latinoamerica. Falavam a mesma língua em muitos sentidos. Compartilhavam a história. O passado. Havia uma espécie de cumplicidade entre eles.

Os brasileiros presentes calaram. Estavam em festa, eram bem acolhidos, mas seguiam desintegrados.

Uniglota

- One more blanket, please?

O chinês pronunciava cada sílaba das palavras em inglês pausadamente, com os lábios retesados, mas não teve sucesso. Com os olhos arregalados, a aeromoça voltou-se para seu colega, nos fundos da aeronave, e disparou:

- O que é blanket?

- Es  cubrecama. Aqui está el postre. Necessitas leche?

Ela estava lívida. A situação só piorava. Era linda, atenciosa, tinha experiência... Mas céus! Até então só voara no Brasil! Ninguém lhe avisara que sua companhia aérea seria vendida para uma sulamericana e que de repente ela teria de lidar com o mundo!

Naquele momento decolava do aeroporto de Lima, no Peru, rumo a São Paulo, no Brasil, com uma tripulação composta toda por chilenos (exceto ela, é claro) e uma centena de passageiros hispânicos e chineses. Estava imóvel, no meio do corredor. De branca, a pele da face passou a rosa, a vermelho com placas roxas. Os olhos cheios d`água.

- Olhe, blanket é cobertor, passe o meu para o chinês - disse-lhe uma passageira brasileira que observava a cena entre divertida e penalizada - Ah, e postre é sobremesa!

- Puxa, obrigada! Esses chilenos são tão rápidos! Nem decolamos e eles já estão preocupados com a sobremesa!