sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Deolinda, uma heroína de Angola no Brasil


Entre 1960 e 1961 viveu no Brasil uma jovem chamada Deolinda Rodrigues Francisco de Almeida. Angolana, era estudante de Sociologia no Instituto Metodista de Ensino Superior, em Rudge Ramos, na Grande São Paulo. Hoje o prédio, tombado como Patrimônio Histórico, guarda um museu. E Deolinda é nome de praça e avenida em Luanda – é uma das Heroínas cuja coragem na luta pela Independência de Angola, entre 1961 e 1975, é lembrada no Dia da Mulher Angolana, em 2 de março.

Deolinda é a mais conhecida das Heroínas de Angola por razões compreensíveis: escreveu um diário que foi preservado; era prima de Agostinho Neto, o herói da independência angolana; seu irmão Roberto de Almeida tornou-se político de realce na Angola independente; e sua história tem ingredientes marcantes.

Nascida em 1939, ela era esperta, alegre, querida por todos os que a conheciam. Foi alfabetizada pelos pais numa vila interiorana, e viajou para Luanda para ingressar na escola primária, passando a viver sob os cuidados de Dona Maria, mãe de Agostinho Neto.

Os que viveram aqueles tempos dizem que era impossível ignorar a situação deplorável em que se encontravam os angolanos, e que mesmo adolescentes e jovens obrigados a prestar serviço no exército de Portugal alimentavam sonhos de liberdade.

Deolinda não era de ficar parada. Envolveu-se em movimentos políticos, em lutas por direitos de trabalhadores numa Angola que começava a se industrializar sob regime colonial.

Tinha 20 anos de idade, em 1959, quando houve uma forte repressão contra os revolucionários. Escapou em um navio para o Brasil. Mas em 1961, após a assinatura de um acordo de extradição entre Brasil e Portugal, viu-se forçada a fugir e embarcou para os Estados Unidos sob a proteção da Igreja Metodista.  

Nesse tempo Deolinda correspondeu-se com Martin Luther King, líder da luta contra a segregação racial e pelos direitos civis dos negros americanos. Em uma carta ele lhe escreveu: “... a vossa verdadeira esperança reside no fato de que a independência será uma realidade em toda a África, dentro dos próximos anos”. Previsão que custou, mas se realizou.

No dia 2 de abril de 1962, Deolinda anotou em seu diário: “Estou aqui a mais. Este não é o meu lugar”. Foi dos Estados Unidos a Conakry, na Guiné; e de lá para Léopoldville, atual Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. Sonhava estudar Medicina, mas adiou seus projetos para lutar pela independência de Angola. Seu nome de guerra: Langidila, termo que em kimbundo significa vigilante, sentinela. Traduziu documentos, preparou panfletos e viajou para estabelecer contatos.

Em 1966, os dirigentes do MPLA no exílio decidiram ampliar as atividades no território de Angola. Entre outros, formou-se um destacamento que deveria sair de Brazzaville e ingressar no interior de Angola. Deolinda e mais três jovens estavam nele. A manobra não deveria ser muito perigosa, mas a unidade foi surpreendida pelas chuvas, por cheias nos rios, e, pior, por um ataque de um grupo rival, que também lutava, mas sob outra liderança e com objetivos diferentes – e agia com brutalidade.

No dia 2 de março de 1967, o diário de Deolinda guarda sua última anotação: “Tudo parecia tão bem e de repente, bumba: Kamuna!”.

Kamuna é o nome da vila onde o grupo foi capturado. Deolinda foi executada.

Há dois livros, publicados em Angola pela editora Nzila, que permitem conhecer mais a vida desta jovem heroína angolana. Cartas de Langidila e outros documentos e Diário de um exílio sem regresso.

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