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domingo, 17 de outubro de 2010

Muitas histórias

Todas a ver com África.
Uma, para ver e ouvir, é dica do Ivan, que vive na Bélgica: 

Imperdível: Entrevista com contadora de histórias nigeriana [http://ning.it/bITTHh] 


Outra é notícia:

Potências econômicas, conglomerados e sociedades de investimento estão adquirindo terras em proporções inauditas. Quem sai perdendo são os que já passam fome e dependem da importação de alimentos.
 
Carolin Callenius, especialista em nutrição da ONG alemã Pão para o Mundo (Brot für die Welt), afirma que a informação é confiável, proveniente de estudos do Banco Mundial.

_ Só entre outubro de 2008 e junho de 2009, 46,6 milhões de hectares foram arrendados a firmas estrangeiras ou estão em processo de negociação. Cerca de 70% desse território se concentra na África, em países como o Sudão, Moçambique, Congo, Quênia ou Serra Leoa.

Há mais notícias sobre o Dia Nacional da Alimentação no site da Deutsche Welle.

sábado, 25 de setembro de 2010

Catarata II


Nova York, anos 1980, metrô.
Atrás de grades quadriculadas, como um presidiário, num ambiente mal iluminado, ficava o vendedor dos bilhetes.
No trem, na estação do Harlem, entrou um passageiro branco. Usava terno e gravata. Sapato inteiro. Tinha os cabelos cuidadosamente penteados. Levava um pacote de papel pardo na mão. De pé, no fundo do vagão, fez um discurso mais ou menos assim:

– Senhoras e senhores, meu nome é Joseph Andrew Smith. Tenho 58 anos e trabalhei a vida inteira. Meus filhos estão criados e cuidam de suas vidas. Minha mulher morreu. Perdi emprego, casa, carro. Acho que cumpri minhas obrigações, mas hoje, com muita vergonha, preciso pedir para sobreviver enquanto Deus permitir. Ficarei agradecido se puderem ajudar.

Pronto. Passou pelas pessoas recolhendo moedas.
Anos depois, aquele homem continuava no mesmo trem, com fala e resultados idênticos.

Catarata I


Quando o trânsito parou, a garota encostou-se ao carro velho, sujo, marcado por encontrões em postes, árvores e outros veículos.

– Tia, dá uma moeda, qualquer coisa, aquele chaveiro, o saco plástico...?

A motorista acelerou. Sequer baixou o vidro da janela. Preocupações demais, talvez. Ou a rotina entediante de encontrar sempre as mesmas pessoas, com os mesmos pedidos, sem sinal de mudanças.

Mas no correr daquele dia ocorreu algo incomum. A motorista se deu conta de que olhara para a menina, era capaz de descrevê-la com riqueza de detalhes. A saia amarela e a blusinha cor-de-rosa, ambas muito curtas e encardidas. A sandália de borracha, o cabelo desgrenhado, meio alourado, a mão suja na boca. 

E o olhar. Principalmente o olhar opaco. Era como se a garota – de 12, 15, 17 anos? – tivesse uma lente esbranquiçada colada na íris. Catarata precoce, quem sabe. Brilho não havia – de inteligência, vitalidade, vontade, humor, malandragem. Havia, isso sim, uma centelha de ódio mal disfarçada. 

A névoa nos olhos da motorista, sua própria catarata, começava a se esvanecer. O sentimento: um misto de medo e compaixão.