Quando o trânsito parou, a garota encostou-se ao carro velho, sujo, marcado por encontrões em postes, árvores e outros veículos.
– Tia, dá uma moeda, qualquer coisa, aquele chaveiro, o saco plástico...?
A motorista acelerou. Sequer baixou o vidro da janela. Preocupações demais, talvez. Ou a rotina entediante de encontrar sempre as mesmas pessoas, com os mesmos pedidos, sem sinal de mudanças.
Mas no correr daquele dia ocorreu algo incomum. A motorista se deu conta de que olhara para a menina, era capaz de descrevê-la com riqueza de detalhes. A saia amarela e a blusinha cor-de-rosa, ambas muito curtas e encardidas. A sandália de borracha, o cabelo desgrenhado, meio alourado, a mão suja na boca.
E o olhar. Principalmente o olhar opaco. Era como se a garota – de 12, 15, 17 anos? – tivesse uma lente esbranquiçada colada na íris. Catarata precoce, quem sabe. Brilho não havia – de inteligência, vitalidade, vontade, humor, malandragem. Havia, isso sim, uma centelha de ódio mal disfarçada.
A névoa nos olhos da motorista, sua própria catarata, começava a se esvanecer. O sentimento: um misto de medo e compaixão.
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