quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Uma irmã perspicaz


Em Paris, saí acompanhada por uma dupla de amigos dispostos a passear por lugares pouco turísticos. Fomos parar na Rue du Bac, entre prédios e uma multidão de gente apressada em horário de almoço – e, no meio daquilo, num antigo convento onde fica a Capela da Medalha Milagrosa.

A construção era interessante, mas não tinha nada de tão especial. O cheiro das velas não me agradava. E, para completar, ainda havia o corpo de uma freira com a pele branquinha, branquinha, como se tivesse morrido no dia anterior, exposto numa caixa de vidro, com uma cadeira ao lado.

Passeio funéreo. Minha vontade era sair dali rapidinho. Mas meus dois companheiros eram ótimos contadores de histórias e aos poucos a coisa ficou interessante.

Catarina Labouré, aquela que estava na caixa de vidro, nascera no início dos anos 1800. Órfã, fora enviada ao convento das Irmãs de Caridade, e ali trabalhara muito. Ajudara pessoas carentes, promovera cursos de alfabetização... Era considerada uma benfeitora entre os franceses mais pobres. Quando estava com mais ou menos 30 anos de idade, teve visões de Nossa Senhora – sentada naquela cadeira posta ao lado de sua redoma. A irmã Catarina chegava perto, Nossa Senhora deitava o rosto da moça em seu colo e lhe dizia algumas palavras. Numa dessas vezes, orientou-a a mandar cunhar uma medalha com a imagem que via – a Medalha Milagrosa, que deveria conter a inscrição “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”. O pedido foi satisfeito.

Catarina Labouré morreu em 1876. Cinquenta e sete anos depois, em 1933, em meio a uma reforma da Capela de Reuilly, seu corpo foi exumado. Sem que tivesse sido embalsamado, estava incorrupto como se o tempo não houvesse passado. Foi então transferido para a Capela da Rue du Bac e instalado sob o altar da Virgem.

Por se ter mantido íntegra, pelas obras que realizou, pelas visões que teve, ou pela soma de tudo isso, Catarina foi canonizada em 1947. Tornou-se a Santa Catarina Labouré.

Eu estava satisfeita. Saímos. Fui buscar lembrancinhas ao lado da capela, numa lojinha que vende medalhas e imagens de todos os materiais, tamanhos e preços. Mexi, revirei, conversei, e decidi levar um saquinho plástico com umas tantas medalhinhas. Na hora de pagar, a freirinha minúscula postada do outro lado do balcão me olhou indignada e, num português de quem nascera no Nordeste brasileiro, disse:

– Mas a senhora não pode levar as medalhas sem que sejam bentas pelo padre!

Susto.

– Madre, a senhora é brasileira?

Claro que sim. Aquela fala não dava margem a dúvidas. Acontece que em Recife, quando ela era menina e muito pobre, havia uma Congregação das Irmãs de Caridade. As irmãs a adotaram e levaram-na para a França. E como ela havia muitas brasileiras na irmandade, por todo o mundo...

Soube então que o padre demoraria três horas para chegar, e a cerimônia de unção das medalhas tomaria outra hora. Era demais. Expliquei que não esperava milagres – que meu interesse tinha a ver com a memória, com objetos capazes de fazer histórias aflorarem à minha mente. Ela riu.

– Normalmente os brasileiros não são assim... Mas as medalhas vão lhe fazer bem de todo modo.

Fizeram. Aqui estou eu a escrever esta história.

Embora tenha a medalha ao lado do computador enquanto escrevo, as fotos aqui reproduzidas não são dela: foram retiradas da Wikimedia Commons.

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