sábado, 11 de setembro de 2010

Tarefas Simples II

Como alimentar um leão insaciável

Imagine que, num belo dia ensolarado, você é interrompido pela buzina de um motoqueiro, postado em sua porta, que pede sua assinatura em um papel dobrado, e em troca lhe entrega um envelope com timbre do Poder Judiciário.

No envelope, um papel com os seguintes dizeres:

“Fica Vossa Senhoria citado dos termos da ação de execução fiscal que lhe move a Fazenda Municipal para todos os seus efeitos, e a pagar o valor do débito principal, com todos os encargos legais, inclusive juros de mora, correção monetária... Não ocorrendo o pagamento, nem garantida a execução, proceder-se-á penhora ou arresto de seus bens...”

Assinatura de juiz.

Assim. De uma hora para outra. Há um processo que você desconhece. E o aviso de que alguém pode entrar em sua casa a qualquer momento para levar bens sob o manto da legalidade.

Convido-o a fazer um exercício de imaginação. Uma viatura estaciona em sua porta. Dela descem dois homens, os tais arrestadores encarregados de identificar os bens que cobrem o valor da dívida pela qual você foi condenado. Pense naqueles objetos de valor afetivo. Coisinhas trazidas como lembranças de viagem, a coleção completa de Monteiro Lobato que você ganhou quando aprendeu a ler, os CDs de Tom Waits... Ou a geladeira? Não. Até os arrestadores saberão que a geladeira, mesmo bem usada, custa muito mais do que o valor da cobrança...

Aconteceu comigo. Imaginei. Viajei. Pânico absoluto. Não conseguia mais atender a campainha. Demorei uma semana para ler o tal papel com calma, compreender que tratava de impostos (IPTU) devidos desde 2004. Descobrir que o juiz assinara o tal papel seis meses antes – e definira o prazo de cinco dias para que eu comparecesse ao setor de Dívida Ativa da Fazenda do Município.

O prazo vencera há meses! Tudo parecia bastante errado. Surreal até. Busquei nos meus arquivos e encontrei os carnês antigos que comprovavam os pagamentos, realizados nas datas e nos valores corretos.

O sentimento de pânico foi substituído pelo de indignação. Sem ter feito nada errado eu tinha sido condenada! E não havia como resolver a questão à distância: eu era chamada a demonstrar minha inocência pessoalmente!

Passo seguinte: ir à prefeitura com a papelada em mãos. Percorri um caminho sinuoso entre barracas de camelôs e filas imensas de gente esperando ônibus, e cheguei ao prédio. Dois lances de escada para dar num balcão com duas atendentes... E algumas pessoas com ar de conformadas do lado de cá, o dos acusados.

– Senhora, não se preocupe. Tivemos um problema de sistema. Preciso apenas de uma cópia dos seus comprovantes de pagamento. Pode ficar tranquila.

– Tenho as cópias, pode ficar com elas. Mas o processo se encerra assim? A senhora, por favor, pode me fornecer um comprovante de que entreguei os documentos?

– Não é necessário. Está tudo resolvido. Pode deixar...

O olhar era taxativo: eu não podia deixar – devia deixar, tinha de deixar, não havia alternativa. Todos deixavam. Se reclamasse, poderia criar problemas... E isso, definitivamente eu não queria.

Fui-me embora pensando na atendente, no escrivão, no procurador, no juiz, em quanta gente e quanto papel haviam sido mobilizados para a cobrança de uma pendência inexistente. Na possibilidade de que, se não tivesse guardado os carnês antigos, talvez tivesse de pagar os impostos novamente, ou contratar advogado.

Ainda tenho dúvidas sobre atender a campainha. Se tivesse ânimo, processaria a prefeitura pela humilhação e pelo desgaste aos quais fui submetida. Isso sem falar no valor do IPTU – uma barbaridade para uma casa em rua sem asfaltamento, sem serviços de esgoto e água, com péssima manutenção dos postes de iluminação e com policiamento zero...

3 comentários:

  1. Passei uma aflição dessas na semana passada!

    ResponderExcluir
  2. querida,
    não se aflija e consulte sua advogada nessas horas: os bens que guarnecem o imóvel em que vc mora são impenhoráveis.
    a tv, a geladeira e os marrecos estão à salvo.
    mas nossos nervos não, claro.
    bj

    ResponderExcluir
  3. Pois é...
    Aflição, pânico e humilhação não têm preço.
    É sempre bom saber que marrecos e cachorros seriam impenhoráveis...
    A questão é: eu não devia NADA!!!
    E passei por isso TUDO!!
    cadê a cidadania???
    que droga!
    Ainda estou brava!

    ResponderExcluir