segunda-feira, 18 de maio de 2015

Meninas não choram

Era uma menina mimada, nascida na segunda metade do século 20, quando as dificuldades dos tempos de guerra já eram apenas sombras nas lembranças dos mais velhos.
O país entrara numa ciranda de crescimento, o dinheiro era farto, os automóveis já eram acessíveis à classe média. Morava na cidade grande, numa casa assobradada, numa rua arborizada, e todos os seus desejos eram satisfeitos.

Sua família era do interior. A avó era dona de pensão onde se tomava banho de caneca, de água tirada do poço. O que se comia era criado e plantado no quintal.
Ainda menino, seu pai se acostumara a degolar galinhas e a matar porcos com uma única lancetada de uma faca afiada. Casou-se com uma moça delicada, educada para ser dona de casa. 
Para ela, a vida era como um conto de fadas. Os vestidos eram enfeitados com rendas, usava sombrinha para passear. Nas férias de verão ia para a praia. No inverno e nos finais de semana brincava no sítio. 
Adorava nadar no rio, subir em árvores, colecionar tatu bola e caramujo. À noite, no sítio, sua mãe contava a história dos três porquinhos à beira da fogueira - noite após noite a mesma história. Quando estava na cidade, depois da aula, brincava de pique e de esconde-esconde com a turma da rua.
A primeira trombada com a realidade aconteceu no sítio, no dia em que seu pai matou o coelhinho que ela vira nascer. Coelhos, para os que não sabem, são mortos com uma marretada na nuca. Depois, ficam pendurados de cabeça para baixo, para que o sangue escorra e a carne fique branca. Nessa posição são descascados e limpos. Foi assim com aquele coelho, que depois foi para a caçarola.
_ Engole o choro e come, disse o pai.
Ela continuou a chorar, não comeu, apanhou. A lição aprendida na hora - não é só homem que não chora. Meninas também devem esconder o que sentem.

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