terça-feira, 12 de maio de 2015

Porcelana trincada

O primeiro ruído que se ouviu foi o de vidro quebrado, do copo que se estilhaçou no chão. Depois vieram outros, de cadeiras arrastadas, de vozes, muitas vozes. Os sinais não eram nada bons. Algo de desagradável acontecia no andar de cima, no apartamento do andar de cima.

As pessoas chamavam Florência!, mas não se ouvia resposta. Florência! Florência! e nada. Depois, todos os que viviam no edifício, e até visitantes eventuais, vieram a saber da história, do que ocorrera naquele momento de pânico.
Florência, jovem tímida e comportada, recebera uma carta de sua mãe e resolvera abrí-la num momento pouco apropriado - em meio a uma reunião.
As palavras escritas apressadamente no papel não eram exatamente negativas, mas eram como um soco na boca do estômago de Florência, Sua mãe, amiga, confidente, cúmplice dizia a ela que mantivesse distância. Que não queria ser tratada como uma inválida.
As repercussões foram muitas. O copo quebrado foi o de menos. O que aconteceu foi um crack na estrutura da família. Uma rachadura daquelas fininhas que arranham a porcelana e arruínam a peça.
Mãe e filha continuaram a se encontrar. Conversavam descontraidamente quase todos os dias. Mas nunca mais disseram juntas a mesma palavra. Nunca mais tiveram a mesma ideia ao mesmo tempo. Até que um dia, as duas sentadas na praia, ouviram a conversa de uma dupla sentada ali ao lado. 
_Que papo é esse de nunca mais? Nunca mais não existe! Cada dia é para ser vivido como único! Sai fora!
As duas se olharam. O mar estava verde esmeralda. O céu azulinho. A areia branca impecável. Levantaram-se ao mesmo tempo, como de um salto, e jogaram-se uma nos braços da outra num abraço comprido e apertado.
_ Desculpe pelas minhas palavras, disseram ao mesmo tempo. 
Estava entendido. Não havia mais lugar para rancor ou arrependimento naquela relação. Mãe e filha se amavam, se amam ainda e pronto. Ali não havia lugar para porcelana trincada.

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