A história é boa, mas requer introdução. Tenha paciência.
Salvador, na Bahia, foi a primeira capital do Brasil, fundada em 1549. Lá se estabeleceram as primeiras plantações de cana-de-açúcar dos colonos portugueses – movidas ao trabalho de escravos trazidos da África.
O tratamento dado aos escravos, como se sabe, era brutal. Muitos fugiam, se embrenhavam nas matas, e se organizavam formando quilombos – palavra que na língua banto significa povoação. Ali moravam, trabalhavam, cultivavam suas tradições e resistiam à opressão dos brancos.
Atualmente, na Bahia, ainda existem cerca de 200 desses quilombos. Em quatro deles os habitantes têm propriedade formal da terra e, portanto, maior segurança. Um deles é o Quilombo Jatimane, comunidade isolada na Mata Atlântica, cerca de 30 km distante do centro da cidade de Nilo Peçanha, ao sul do estado, na Costa do Dendê, um espaço que recentemente foi transformado em Área de Proteção Ambiental.
A tradição conta que a história de Jatimane começou com quatro irmãos escravos – os Rosário. No final do século XVIII, Mané André, Boaventura, Devoto e Honório, fugiram do engenho e embrenharam-se na mata em busca de um abrigo para a construção de um assentamento. Fizeram amizade com um índio de nome Mane, que os levou à área onde foi construído o arraial. Mane criava abelhas jati, para produção de mel, e assim, em sua homenagem, o quilombo foi batizado de Jatimane.
Isso é passado. Hoje Jatimane é como uma foto bucólica. Tem mais ou menos 100 casinhas e uma igrejinha com uma única torre cujo sino avisa o início da missa. Fica numa região belíssima, com praias, rios e cachoeiras. É passagem obrigatória para a praia deserta de Pratigi, mas isso é coisa para turista. O transporte público que liga Jatimane a Nilo Peçanha, ao comércio, às escolas, aos postos de saúde, só passa uma vez ao dia. A comunidade sobrevive basicamente da pesca, da produção de farinha de mandioca e da extração da piaçava.
Este causo diz respeito justamente à relação dos quilombolas de Jatimane com a piaçava, planta nativa da região. Os homens colhem. Cabe às mulheres a tarefa de separar as fibras da fita que as envolve usando uma escova de pregos. A empreitada, pesada, é feita da mesma maneira há séculos, ensinada de geração a geração, assim como a história, a música e os costumes.
Durante muitos anos, gente de projetos como o Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Baixo Sul da Bahia, interessada em melhorar as condições de vida dos quilombolas, tentou aproximar-se do povo de Jatimane. Nada fácil. Mas um belo dia surgiu ocasião para uma conversa informal, desinteressada, alegre, com as mulheres que, sentadas no terreiro, lidavam com fibras de piaçava. Papo vai, papo vem, fala-se em fazer algo além de vassouras, na trabalheira que dá separar as fibras... E uma das quilombolas, com ar desolado, confessa:
– O pior não é que ganhamos pouco, que trabalhamos muito, que não nos dão valor. Pior mesmo é que essas escovas de pregos deixam nossas mãos cheias de calos. Mãos assim não servem para acarinhar... Daí, nossos homens pegam o ônibus e vão pra cidade, buscar mocinhas de pele macia...
Ah, que achado! Melhorar a vida daquela gente não era um bicho de sete cabeças! Primeiro, um creminho básico. Depois, a Escola Superior de Desenvolvimento Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro desenvolveu novas escovas, leves e eficientes, que não provocam calosidades, dão maior produtividade ao trabalho e, mais importante, contribuem para a felicidade dos casamentos em Jatimane!
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