A idade da alforria. Ah, os 18 anos! Que mito poderoso existe em torno dessa idade! É fazer 18 anos e... Pronto! Carteira de motorista, carro e pé na estrada. Não tem mais pai ou mãe que segurem. Liberdade.
Meu aniversário de 18 anos caiu num dia de semana, dia de treino de ginástica olímpica. Fiquei 4 horas no ginásio, entre o aquecimento e aquele monte de instrumentos, engrossando um pouco mais os calos das mãos e escurecendo minhas manchas roxas prediletas. O treinador era um milico, o nome me foge agora. Tirano total. E eu me submetia às suas ordens na maior alegria. Vá entender!
Quando o treino acabou, um namorado, Chicão, esperava na porta do clube, montado em seu fuscão azul celeste. Eu e Lia, amiga querida, embarcamos para experimentar uma aventura adulta: tomar café no Ibirapuera e dar uma passadinha pelo Oba Oba, a casa de dança das famosas mulatas do Sargentelli.
O plano parecia genial. Tomaríamos um café, daríamos uma olhadinha naquele mundo proibido, e voltaríamos para casa cedinho, a tempo de não provocar discussões. Acontece que Chicão resolveu fazer um caminho por dentro do Parque do Ibirapuera. Estava escuro. Entramos numa contra mão e demos de frente com um Impala, uma barca.
O Impala ficou intacto. O fuscão virou uma lata amassada. E eu, acelerada pela adrenalina do treino e pela perspectiva de nossa peripécia, me joguei contra o para-brisas. Sim, porque naquele tempo não existia cinto de segurança. E sentada no banco da frente do fuscão, com passageiro atrás, eu ficava grudada no vidro...
Fui a única ferida no incidente. Cortei o queixo e os tendões da mão. Alguém me levou a um pronto-socorro próximo. O plantonista sonolento, pediu que eu fechasse a camisa – aberta na esperança de que alguém limpasse os milhares de caquinhos de vidro que espetavam meu colo –, enrolou minha mão numa faixa apertada, entregou a conta a seu Nelson, pai da Lia, que aparecera apavorado, e me despachou.
O quadro era péssimo. Eu tinha sido mal atendida, a conta do hospital era absurdamente alta e impagável, e eu deixava o pronto-socorro sem esperança de um dia recuperar o movimento da mão esquerda. Isso sem falar no pavor de chegar em casa naquele estado... Mas qual foi a única pergunta que fiz ao médico antes de ir embora?
– Eu ainda vou poder tirar carta de motorista?
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