O Estado de Sinaloa, no México, é uma região semiárida, na qual a temperatura frequentemente atinge 45ºC e as chuvas são raras. Fica na costa oeste do país, no Golfo da Califórnia. A capital é Culiacán, mas esta não chegamos a ver. O que nos interessava era conhecer os assentamentos de agricultores implantados numa iniciativa de reforma agrária em áreas mais distantes – os mais importantes em El Carrizo, no vale do Rio Fuerte. E foi para lá que Luciana de Francesco e eu seguimos, atrás de uma reportagem que jamais fora publicada no Brasil.
Viajamos de carro até uma cidadezinha próxima, Gustavo Diaz Ordaz. O motorista nos deixou diante do prédio da Prefeitura. Enquanto eu entrava para me apresentar, explicar o que precisava e pedir apoio, Luciana resolveu dar um passeio. Em frente ao prédio estava armada uma feira, prato cheio para uma fotógrafa. Logo ao lado havia uma escola, com meninas uniformizadas sentadas sobre o muro. Luciana fotografou-as...
Logo chegou à Prefeitura, em pânico, acompanhada de um policial. No México, já em 2006, era ilegal abordar crianças... Pior fotografá-las... O índice de sequestro de crianças era muito elevado, e a polícia levava a sério a tarefa de protegê-las. Mas a conversa com o prefeito tinha sido boa, ele falou com o policial, mostramos nossos passaportes e tudo se resolveu.
Dali fomos a uma espécie de Casa do Agricultor, onde engenheiros nos apresentaram a um líder de uma cooperativa de assentados que vivia em El Carrizo desde 1965. Emilio Martínez Victoria, um campesino, como se apresentou, um agricultor familiar de 48 anos de idade, era simpaticíssimo. Logo se prontificou a nos levar para conhecer seu sítio em Fuerte Mayo. E toca entrar novamente numa caminhonete e viajar mais de uma hora em estrada de terra.
O que vimos valeu o esforço. Muita terra plantada com um sistema de irrigação rudimentar, instalado pelos próprios agricultores que cavaram valas do rio aos sítios localizados em areas desérticas, e puseram canos plásticos embocados nessas valas. De tempos em tempos, eles metiam as botas na lama e erguiam ou baixavam os tais canos, para que a água vertesse entre os corredores de mudas. E as plantinhas agradeciam.
A entrevista foi longa, a sessão de fotos também. Mas a gentileza de Emílio superava todas as expectativas. Para que tivéssemos a dimensão do vale do Rio Fuerte, embarcamos novamente e subimos uma infinidade de tempo por uma estrada estreita, chão de pedra, até o ponto mais alto da serra que rodeia o vale. Que visão deslumbrante! Que paisagem! E mais: ali em cima havia muitos daqueles cactos que são típicos do México, e que eu queria porque queria que Luciana fotografasse – em primeiro plano, com o vale ao fundo... Tirana... Ela meteu-se no meio de espinhos, desceu morro, subiu morro, até fazer a foto que eu pedia... E que sequer foi publicada...
Bem, mas o dia chegava ao fim, precisávamos voltar e não tínhamos como. Na Casa do Agricultor não havia ninguém. Porta trancada. Então apareceu um rapaz conversador. Explicou que não precisávamos nos preocupar, as pessoas estariam de volta “ahorita, ahorita” (o que pode significar minutos ou dias...), e nos convidou para jantar.
Haha! Já tínhamos passado o susto com a polícia, andado por charcos, desertos e montanhas, íamos nos meter no carro de um fulano e sair para jantar? Sim. Estávamos mortas de fome. Bom, mas primeiro perguntamos quem era ele. Engenheiro Agrônomo. Trabalhava ali mesmo e nos tinha visto quando chegamos. Acreditamos. Melhor assim.
No carro ele explicou que iríamos ao restaurante de um tio, de um professor. Parecia brincadeira. Não era. Chegamos a uma casinha bonitinha, passamos por um corredor cheio de plantas, e desembocamos num pátio com poucas mesas, em que um senhor alto, magro, bem aprumado, veio nos cumprimentar. Fomos apresentadas como jornalistas brasileiras e nosso anfitrião encomendou “aquele prato”.
– Vocês não estão levando a sério, mas ele é mesmo meu tio, professor aposentado de Educação Física, e faz a melhor sopa de camarões de todo o México!
Ele não mentia. Nos esbaldamos. Depois tomamos carona com outro engenheiro para voltar ao hotel na Cidade do México. Um belíssimo chapéu que Luciana havia comprado no correr dessa aventura ficou esquecido no banco traseiro da caminhonete. Nunca mais soubemos dele. Ficou na conta do caldo de camarão... Que, tão exaustas e aparvalhadas estávamos, nem fotografamos...
A reportagem resultante dessa viagem foi publicada na Revista Odebrecht Informa e pode ser lida no link (http://www.odebrechtonline.com.br/materias/00801-00900/883/).
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