No tacho armado sobre o fogo, no pátio atrás da casa, a abóbora borbulhava. Panela enorme mexida com colher de pau de cabo compridíssimo. Uma arte. Não se podia descuidar um momento ou o doce pegava no fundo, escurecia, perdia o brilho e o ponto.
A mãe mexia que mexia, os braços pesados pelo esforço. Filhos, sobrinhos, vizinhos, uma criançada vinda de todos os cantos ficava ali, espreitando, entre curiosa e gulosa, à espera que a delícia ficasse pronta e fosse oferecida a todos.
Então algo forçou a mestre-cuca a se afastar do tacho. Para não correr riscos, ela encarregou uma das garotas, não mais de dez anos de idade, de dar conta do recado: revolver o doce e aprontá-lo.
A incumbência era uma honra. Serviço de gente grande. E a garota, sem pestanejar, tomou o cabo da colher e resolveu olhar o resultado dos seus movimentos – a cabeça pertinho daquele vapor quentíssimo.
– Minha filha, doce a gente mexe com a cabeça, não com a mão!!
A mãe falou e saiu. A garota afastou o rosto do fogo. Mas a frase fazia sentido? Afinal, ela deveria usar a mão para movimentar a colher! E se deixasse a cabeça onde estava, acabaria se queimando! Que história era aquela de mexer o doce com a cabeça e não com a mão?
A audiência se meteu numa discussão danada. Cada um interpretava a lição a seu modo. Até que a nova dona do doce, a menina, explicou com o olhar mais inocente desse mundo:
– O que minha mãe disse é que eu preciso pensar antes de fazer as coisas. Que cabeça serve para pensar – e só depois que eu descobrir a melhor maneira de mexer o doce é que devo pegar a colher e começar a trabalhar...
Muitos dos que ouviam suas palavras, arregalados, eram bem mais velhos do que ela. Mas ou não usavam bem suas cabeças, ou não estavam acostumados à forma de ensinar daquela senhora – que, convenhamos, era incomum.
Houve quem, naquele momento, atinasse com o valor do raciocínio, da reflexão... Eu, que já devia ser sabida, do alto dos meus 15 anos, estava nessa turma. E de lambuja percebi como é fácil aprender com exemplo, com experimentação...
A mestra: minha tia Jael. A garota: minha prima Jussara.
Ah, e o doce ficou perfeito!
Água na boca!
ResponderExcluirhehe
ResponderExcluirDepois de uma noite de sono, pensando nessa história, fiz as contas de quantas burrices cometi nos últimos 40 anos...
A gente até entende as coisas, aprende... mas aplicar, viver nos corformes, são outros 500 réis...