sábado, 28 de agosto de 2010

Os Rosa

Foi numa sala avarandada que Gustavo Rosa me recebeu. Lugar claro, aconchegante. Só lamentei que ficasse diante daquela melancia ultrajante que Ruy Ohtake projetou para um hotel na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio...

Bom, tem gosto pra tudo. Não sei o que Tomie Ohtake sentiu ou pensou quando viu aquilo... Mas afinal os pais não são responsáveis pelas obras de seus filhos... E a casa de Gustavo Rosa tinha um muro beeeem alto.

A entrevista tinha sido prevista para durar uma hora. Acontece que a conversa era ótima, o chazinho perfumado e saboroso, e logo junto à varanda ficava a sala de trabalho do artista... Eu me deliciei. Falamos sobre as dificuldades da vida de artista, sobre escrever, se expressar... Conforme o tempo ia passando, uma senhorinha invisível absolutamente eficiente trazia suquinhos, biscoitinhos, quitutes diversos...

Alimentei corpo e alma. Cheguei pela manhã e saí ao entardecer. Ganhei uma gravura de Gustavo naquele dia. Uma gordotinha irresistível. Emoldurei, pendurei, guardei a lembrança do encontro, mas não voltei a fazer contato – e ele tampouco.

Anos se passaram. Um dia, fui escalada para ir a Macaé e escrever sobre petróleo. Viagem de madrugada. No Aeroporto Santos Dumont , uma van me aguardava. Dentro, um fotógrafo. Apresentação:

– Roberto Rosa.
– Eliana Simonetti.

Estávamos ambos exaustos e mal-humorados. Fomos secos, naquelas circunstâncias, sem dúvida. A viagem do Rio a Macaé era longa, em estrada ruim – e ainda teríamos de fazer falar as gentes da Petrobras, de conseguir autorização para fotografar instalações... Capítulos à parte, desafiadores, no trabalho.

Não sei bem como aconteceu de começarmos a conversar. Talvez os buracos da estrada tenham nos acordado, nos deixado mais agitados. O fato é que falamos. Soube que Bob é irmão de Gustavo. Que nascera em São Paulo, embora falasse com todos os esssesss e errressss a que um carioca tem direito. Foram mais ou menos duas horas de papo, às vezes mais tristinho, às vezes mais descontraído, em que nos conhecemos bastante.

Bob é o fotógrafo mais ansioso, mais perfeccionista, mais obstinado com quem já trabalhei. Gesticula, fala, sua por todos os poros – tem até toalhinhas da bolsa para secar o rosto, desembaçar a vista e conseguir olhar o cenário, acertar o foco na máquina fotográfica. E toca esperar. Ele só pára quando consegue exatamente o que quer. O sol batendo na florzinha da ponta do galho da árvore, o olhar que diz tudo de uma personagem... Daí então ele grita. Pronto! Vem ver, vem ver!

Não tem erro. Sempre concluo que a espera valeu. Bob é artista, como seu irmão Gustavo.

A reportagem foi feita. E depois houve outras, incontáveis, por toda parte do Brasil e do mundo. Ficamos amigos, meio irmãos. Sem nunca ter visto seus filhos, sei muito sobre eles. Assim como ele sabe dos meus. Quando encontrei sua mulher, nem precisávamos de apresentação: conversa fácil de quem convive há anos.

A história agora é do Rosa fotógrafo. Ocorreu no Peru.

A empreitada era complicada. Passaríamos 15 dias dentro de uma caminhonete, entre Cuzco e a Amazônia, por uma estrada que serpenteava estreita sobre os Andes. No carro ia o motorista, quechuahablante, que me serviu de tradutor e intérprete nas entrevistas com gente do interior. Ia também uma pessoa da Construtora Norberto Odebrecht, que fazia a reforma e a restauração da estrada, encarregada de cuidar para que tudo corresse sem maiores percalços – Samuel, um triatleta obsecado por saúde que, algumas vezes nessas duas semanas, teve de se conformar e comer pratos estranhíssimos, preparados por mãos encardidas. Sofreu, pobrezinho...

O que vimos foi indescritível. O Peru é terra belíssima. Os Andes têm paisagens de tirar o fôlego. Mas 15 dias é tempo demasiado para conviver intensamente. E ficávamos horas e horas confinados aos poucos metros quadrados da cabine da caminhonete...

A viagem chegava ao fim quando, um após outro, fomos nos descontrolando, reclamando, explodindo. Então, fez-se a luz. Afinal, aquilo não era um casamento! Não tínhamos de conviver para sempre, de entender, aceitar, nos adaptar às manias uns dos outros...

Rimos, fizemos as pazes e terminamos o serviço em ótimo astral.

Há várias boas histórias sobre esta viagem. Escrevo dia desses.

Bob é amigo para sempre. Soube que Gustavo, que nunca mais vi, mas é parte da família, não está bem de saúde. Sinto. Muito.

A foto de Roberto Rosa na labuta foi feita por mim - e como não sou fotógrafa, por favor, sejam condescendentes.
As outras imagens da
viagem pelos Andes peruanos, by Bob Rosa, são exemplos do resultado que ele obtém.
Crédito: Roberto Rosa

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